A Incrível Jornada de Lília Embiruçu: A Médica Que Transforma o Adeus de Bebês em Homenagem

Em meio a roupinhas de crochê delicadas, a neonatologista Lília Maria Caldas Embiruçu dedica-se a um trabalho singular: preparar o último adeus de bebês que partiram cedo demais. Mas o que a motiva a seguir por este caminho?

Um Toque de Dignidade em Momentos Dolorosos

Imagine um pequeno gorro azul, do tamanho de dois dedos, ou um saco de dormir verde, como um guardanapo. Essas peças, tricotadas com carinho, vestem bebês prematuros ou que nasceram sem vida. Lília explica: “Não encontramos roupas desse tamanho nas lojas, por isso, fazemos para que sejam enterrados com dignidade.”

Lília trabalha no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador, lidando com casos complexos. Sua jornada, marcada por experiências pessoais e profissionais, a conduziu a um papel especial na medicina.

A Perda Que Transformou o Propósito

No dia de sua formatura, Lília perdeu o pai, vítima de um infarto. “Ele dizia que só morreria quando eu me formasse”, relembra. Esse momento doloroso a aproximou do cuidado com o luto e a fragilidade da vida.

Na década de 80, durante a epidemia de Aids, Lília atuou na prevenção da contaminação de mães para filhos. Acompanhar a morte de bebês e mães a despertou para os cuidados paliativos, muito antes de serem amplamente reconhecidos.

Cuidados Paliativos e a Humanização do Luto

Os cuidados paliativos, que visam o acolhimento e a qualidade de vida, ganharam força no Brasil nos anos 2000. Em 2024, o Ministério da Saúde oficializou uma política específica no SUS.

Além disso, a recém-sancionada Política Nacional de Humanização do Luto Materno e Parental garante apoio psicossocial a pais que perderam seus bebês durante a gestação, parto ou após o nascimento.

A Arte de Enxergar Além da Doença

Para Lília, o cuidado humanizado transcende a doença. “A mãe de um natimorto é como a urna desse bebê. Ela precisa se ajustar como mãe de um filho que não estará aqui”, explica.

Para oferecer conforto e suporte, Lília se especializou em cuidados paliativos e capelania hospitalar laica. Seu objetivo é abordar as famílias de forma humanizada, valorizando a vida em cada instante.

Histórias de Amor e Despedida

Entre os pedidos que ouve, um marcou sua trajetória. Uma mãe, com o filho na incubadora, pediu que ele conhecesse o mar. Impossibilitada de levá-lo, Lília criou uma solução inesquecível:

  • Conseguiu uma caixa de vidro.
  • Encheu-a com água do mar, areia e conchas.
  • Levou o mar até o leito do bebê.

A emoção da mãe ao ver o mar ao lado do filho eternizou aquele momento.

Mini-Caixões e Caixas de Memórias: Um Legado de Amor

Lília confecciona mini-caixões, decorados com retalhos de vestidos de noiva do filho estilista, e caixas de memórias, repletas de fotos, cartas e lembranças. Se a família for católica, ela inclui um pequeno terço.

Ela explica: “Dentro de uma UTI neonatal, o direito à parentalidade é sequestrado. Queremos transformar a morte prevista em uma vida vivida, mesmo que breve.”

Quando a Lembrança é Criada

Lília recorda o caso de uma mãe que não quis fotografar o bebê com malformações. Meses depois, ela pediu para ver o filho. Impossibilitada de exumar o corpo, Lília teve uma ideia:

  1. Solicitou um retrato falado do bebê à polícia.
  2. Conseguiu que os pais descrevessem o filho como o imaginavam.
  3. Entregou à família a única imagem do bebê, feita com amor e sensibilidade.

A psicóloga Daniela Bittar, especialista em luto materno, destaca a importância dessas lembranças para o processo de luto. “Quando um bebê morre intraútero, a dor da mãe não é compreendida pela sociedade. Essas homenagens são fundamentais”, afirma.

Um Ritual para Marcar a Existência

Para Lília, a despedida é essencial para cravar a existência. Ela acredita no poder das roupas minúsculas, dos caixões delicados e, quando não há um corpo, do simbolismo que persiste.

Em um gesto extremo de compaixão, Lília conseguiu, em meio ao lixo hospitalar, o absorvente onde uma mãe havia perdido o feto. Aquele objeto, enterrado com amor, simbolizou a despedida.

“Olhamos muito para o biológico e pouco para o biográfico. O caminho é inverso”, conclui Lília, mostrando que, no fim da vida, o que importa é o amor e a história que construímos.

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