Tragédia Anunciada: Relembre o Deslizamento que Chocou Salvador há 36 Anos!

Maio, um mês tradicionalmente chuvoso em Salvador, guarda memórias dolorosas. Apesar dos alagamentos frequentes, nada se compara à devastação causada pelas chuvas de 1989, que resultaram em deslizamentos de terra catastróficos. O mais marcante deles? O soterramento do Motel Mustang, uma ferida que completa 36 anos.

Na fatídica madrugada de 19 de maio de 1989, por volta das 3h30, o Morro do Alto do Cabrito cedeu, esmagando o motel localizado em sua base. A TV Bahia reportou na época que o deslizamento soterrou 33 dos 50 apartamentos, ceifando a vida de nove pessoas, entre hóspedes e funcionários.

O Drama nos Detalhes:

  • Um pedido ignorado: Um casal, hospedado no quarto 11, foi encontrado sem vida. Um bilhete na recepção revelava o desejo de serem acordados às 4h da manhã, apenas 30 minutos após a tragédia.
  • Documentos perdidos: A Defesa Civil, a Polícia Civil e o DPT informaram que os registros da época se perderam. Nem mesmo os arquivos públicos da Bahia e do município possuem informações sobre o acidente.

A Memória Preservada:

O escritor Marcus Vinícius Rodrigues, autor do livro “Motel Mustang”, resgatou reportagens antigas que mantêm viva a memória da tragédia. Sua obra, lançada em 2024, é uma ficção inspirada nos eventos reais.

Irregularidades e Omissões:

Reportagens da época revelam que o motel operava sob interdição devido à sua localização inadequada. Além disso, um técnico da Sumac apontou que a construção foi feita de forma irregular em um terreno arenoso e instável.

O Silêncio Imposto:

Familiares dos funcionários mortos protestaram contra a demora na recuperação dos corpos. A denúncia era grave: o dono do motel, ciente dos riscos, teria proibido os funcionários de comentar sobre a situação, sob pena de suspensão.

O Fascínio Macabro:

Segundo Marcus Vinícius Rodrigues, o que mais despertou a curiosidade da população de Salvador não foi o desabamento em si, mas sim quem estava no motel. Histórias de romances proibidos e traições se espalharam pela cidade, servindo de inspiração para seu livro.

“Muitos desabamentos e deslizamentos de terra aconteceram naquele mês, mas o que chamou mais atenção foi o desabamento do motel justamente por causa dessa curiosidade das pessoas em saber quem estava lá”, explicou Rodrigues.

O Relato de um Testemunha:

Givanildo Barbosa, que morava na região, lembra-se da tragédia com nitidez. Sua avó relatava que a terra tremeu e o barulho foi ensurdecedor, como se o mundo estivesse acabando. Seu pai, avô e tio correram para ajudar nos resgates, liderados pelos próprios moradores do Lobato. A lama invadiu a Avenida Suburbana, interditando parte da via.

Após a remoção dos corpos e a investigação, o que restou do motel foi abandonado. “Cresci vendo os restos do motel, era um lugar que dava calafrio ao passar”, relatou Givanildo. Atualmente, o local abriga o túnel que liga o Lobato a Pirajá.

As Chuvas de 1989: Um Cenário de Caos

Em maio de 1989, Salvador registrou 651 mm de chuva, o segundo pior índice da série histórica. As reportagens da época mostram um cenário de destruição, com mais de 65 mortos. Somente na semana do desabamento do Motel Mustang, foram contabilizadas 33 mortes.

Um Panorama Trágico:

  • Calabetão: Um deslizamento soterrou casas e matou 12 pessoas.
  • Avenida Suburbana: Outro deslizamento tirou a vida de 14 pessoas.
  • Lobato: Uma família de sete pessoas foi soterrada.

Naquele mês, 6 mil moradores foram desalojados e abrigados em parques e estádios. Campanhas de arrecadação de alimentos foram organizadas para auxiliar as famílias.

O Racismo Ambiental:

Para o geógrafo Marco Tomasoni, os eventos de 1989 revelam o racismo ambiental, já que as áreas mais afetadas eram as periféricas, desprovidas de planejamento urbano adequado.

“Como essas áreas não são visibilizadas pelo capital, sofrem com o racismo ambiental e não recebem um planejamento urbano adequado”, explicou Tomasoni.

O Que Mudou Desde Então?

Tomasoni acredita que Salvador está mais preparada para enfrentar chuvas intensas, mas os recentes deslizamentos mostram que ainda há muito a ser feito. A contenção de encostas, por exemplo, requer estudos rigorosos para evitar o agravamento dos problemas.

A impermeabilização com concreto, embora ofereça segurança imediata, pode causar o acúmulo de água e futuros deslizamentos. Além disso, a falta de áreas verdes, responsáveis pela drenagem da água da chuva, contribui para os alagamentos.

“As áreas verdes transformadas em concreto são amplificações de riscos futuros, porque implicam na drenagem da cidade. É como varrer um problema para debaixo do tapete”, finalizou o professor.

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